Decisão obrigava empresa a compartilhar os ganhos financeiros obtidos durante a pandemia

O desembargador Maurício Pessoa, da 2ª Câmara de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), revogou decisão da 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo que obrigava uma empresa em recuperação a compartilhar com os seus credores os ganhos financeiros obtidos durante a pandemia.

Pela decisão do juiz Paulo Furtado, os credores poderiam propor um aditivo ao plano de recuperação, prevendo melhorias em relação ao que já havia sido acordado quando a devedora ainda enfrentava dificuldades.

O desembargador Maurício Pessoa considerou, ao revogar a decisão, que a proposta de renegociação não foi cogitada pelos credores e muito menos pela empresa. “Foi, sim, de iniciativa judicial”, ele diz.

A decisão do juiz Paulo Furtado foi proferida em novembro e pegou o mercado de surpresa. Essa possibilidade não consta em lei e nunca havia sido determinada por ordem judicial. O magistrado afirmava que o “ganho extraordinário” e “de natureza imprevisível” justificavam a melhoria nos pagamentos. Esse processo envolve uma fabricante de respiradores. Quando o plano de quitação das dívidas foi aprovado, em 2018, a companhia produzia cerca de 50 unidades por mês. Durante a pandemia – e com o aumento da demanda – passaram a ser fabricados 70 em um único dia.

“Os credores só aceitaram um deságio de 30% porque consideravam as perspectivas econômico-financeiras da devedora”, diz Furtado na decisão, acrescentando que ninguém teria aceitado receber menos se soubesse que a situação mudaria completamente em tão pouco tempo.

Furtado considerou que a mesma jurisprudência adotada para os casos de agravamento da crise – que permite à devedora apresentar um aditivo ao plano e flexibilizar as condições de pagamento aos credores – deveria ser aplicada quando a empresa tem ganhos extraordinários. Ele havia dado um prazo de 60 dias para que os credores da fabricante de respiradores formulassem o aditivo.

A empresa recorreu ao tribunal e obteve a revogação por meio de decisão monocrática do desembargador Maurício Pessoa (processo nº 2284821-21.2020.8.26.0000). Para o magistrado, “parece não ser razoável que os credores apresentem um plano que eles mesmos votarão”. Ele afirma ainda que não houve a anuência dos atores principais do processo e que o juiz não indicou como a renegociação se concretizaria.

“Ainda que vise melhorar as condições originárias aprovadas pelos credores as quais parecem estar sendo regularmente cumpridas pela recuperanda, parece extrapolar o controle de legalidade na medida em que interfere diretamente nas condições econômicas do plano, a criar um dirigismo contratual de ofício e às avessas”, diz.

Especialista na área, Julio Mandel, sócio do Mandel Advocacia, afirma que a decisão do desembargador dá segurança jurídica às empresas em recuperação. “O plano é uma livre negociação entre credores e devedores. Não há previsão em lei para a interferência do Judiciário”, afirma.

O advogado Ricardo Siqueira, do escritório RSSA, entende como “perigoso” modificar o plano com base em uma situação temporária. “Nada garante que a empresa vai continuar vendendo respiradores nesta mesma quantidade pelos próximos anos. O mais comum em situações extraordinárias é que a empresa tenha um pico de vendas e depois retorne a patamares até inferiores à média normal. Toda a demanda do mercado acaba sendo suprida nesse período de alta”, contextualiza.

A reforma da Lei de Recuperação e Falências, aprovada pelo Congresso em novembro e ainda à espera de sanção da Presidência da República, prevê a possibilidade de os credores apresentarem o plano do que deverá ser pago pela empresa em recuperação. Isso será possível nos casos em que a assembleia rejeitar a proposta elaborada pela devedora. Pela lei atual, quando a assembleia rejeita o plano, a devedora vai à falência. A reforma da legislação, no entanto, não trata da possibilidade de os credores apresentarem um aditivo a plano já aprovado.

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