TJ-SP já realizou audiências de conciliação com concessionárias de serviços públicos, shoppings centers e bancos

Empresas com problemas financeiros surgidos a partir da pandemia têm buscado o Judiciário para promover acordos com credores, mesmo aquelas que já estão em recuperação judicial. A experiência, que começou a ser aplicada pela Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) em maio, já resultou em 12 audiências de conciliação, com credores como concessionária de serviços públicos, shoppings centers e bancos.

O primeiro acordo pré-processual foi assinado entre uma indústria de aço em recuperação judicial e uma concessionária de energia elétrica para negociar uma dívida recente. A advogada Juliana Bumachar, do Bumachar Advogados, representante da empresa, afirma que por meio do acordo, será paga entrada de 20% do devido em maio e o restante será parcelado em cinco vezes. O montante relativo a junho, julho e agosto será quitado com 25% de entrada mais três parcelas, tudo sem multa ou juros.

Para Juliana, a alternativa do TJ-SP é importante porque ainda não há uma nova legislação para a empresa em dificuldade. O Projeto de Lei nº 1.397, aprovado na Câmara com previsão de possível “negociação preventiva” (artigos 5º a 8º), ainda passará pelo Senado, onde já foram apresentadas 11 emendas.

O projeto-piloto de conciliação e mediação pré-processuais para disputas empresariais decorrentes dos efeitos da covid-19 foi criado pelo Provimento nº 11 da Corregedoria-Geral do TJ-SP, no fim de abril. Segundo especialistas, a nova ferramenta deverá atrair principalmente empresas pequenas e médias  – que têm se deparado com a escassez de crédito nas instituições financeiras -, além daquelas em recuperação judicial.

De acordo com dados da Serasa Experian, o número de pedidos de recuperações judiciais, de março a abril, cresceu 46%. E o de falências aumentou 25%, no mesmo período.  “Quando foi declarada a pandemia e os Estados passaram a adotar quarentena houve uma paralisação de cartórios, varas cíveis, prazos processuais etc. Assim, provavelmente, esse número de abril seria maior”, diz Luiz Rabi, economista da Serasa Experian.

Segundo Rabi, a pandemia compromete a estatística, mas é certo que a inadimplência vai subir e a recuperação judicial é sua última fase. “Tentar buscar acordos é válido. De todos os processos de recuperação judicial iniciados, de 2005 a 2014, em condições normais da economia, 77% das empresas faliram”, diz.

Para a indústria de aço que firmou acordo no TJ-SP, cujo faturamento no ano passado alcançou cerca de R$ 450 milhões, a audiência foi agendada em uma semana. “Na prática, firmamos o acordo na segunda reunião de conciliação porque concessionárias precisam levar a proposta das empresas para a deliberação por comissões”, diz Juliana Bumachar. Segundo ela, entre uma reunião e outra foi combinado que a concessionária não interromperia o serviço de energia para evitar a paralisação das atividades da indústria”.

A rede de restaurantes Applebee’s (APB Comércio de Alimentos), que teve o seu pedido de recuperação judicial deferido no dia 2, também tenta obter acordos para suas lojas por meio da ferramenta pré-processual. “Com 600 empregados e faturamento de R$ 50 milhões em 2019, a Applebee’s tem hoje 132 credores”, afirma Euclides Ribeiro, do ERS Advocacia, que representa a empresa no processo.

Segundo Ribeiro, a conciliação será usada paralelamente à recuperação judicial. “Com a demanda crescente de conflitos que teremos por causa da pandemia precisamos ser mais céleres. Só a recuperação judicial não basta”, afirma. Ribeiro diz que a Applebee’s aguarda audiência de conciliação com o Itaú para evitar uma execução contra a empresa e avalistas. E prepara-se para tentar obter um acordo para quitar R$ 930 mil de aluguel, que deve ao Shopping Eldorado, por meio da mediação.

Quando a conciliação é infrutífera no TJ-SP, é agendada uma sessão de mediação, que além do juiz conta com mediadores profissionais. Em ambas as situações, um magistrado homologa o acerto de contas.

Uma das três juízas especializadas em direito empresarial que atuam nessas audiências, Renata Mota Maciel, diz que já foram atendidos pedidos de indústria de resinas, de tintas, reciclados, ótica, restaurantes, distribuidora de material de limpeza. “Das requeridas, o que mais apareceu foram concessionárias de energia, de gás e shopping centers”, afirma.

Segundo a juíza, das audiências que presidiu, só não ocorreu acordo porque a margem de negociação não estava imediatamente disponível. “É relevante porque existe uma expectativa de que a demanda no Judiciário vai crescer muito, com base no grau de tensão das partes pedindo tutela de urgência por causa da covid”, explica.

No Rio, iniciativa semelhante está para ser analisada pela Corregedoria-Geral do TJ-RJ. Segundo o desembargador Cesar Cury, a presidência do tribunal pediu urgência na análise do Regime Especial de Recuperação de Empresas, cujo objetivo principal é incentivar acordos para pedidos de recuperação judicial. “Com a expedição e publicação de ato conjunto da presidência e corregedoria, o serviço poderá ser iniciado no Estado”, diz.

O magistrado afirma que toda estrutura já está pronta. “O serviço será prestado no centro de mediação da capital. Em um primeiro momento, uma juíza e uma equipe de dez negociadores especializados em recuperação judicial foram destacados para atuar no projeto”.

Para as empresas que estudam pedir a recuperação judicial, o problema é que elas não sabem como vai ser o comportamento do consumidor quando a pandemia acabar e se vão ter o faturamento de volta, segundo o advogado Julio Mandel, da Mandel Advocacia. “É difícil projetar o futuro da empresa, elaborar um plano de recuperação, para depois dos seis meses de proteção de execuções”, diz.

Mas problema maior enfrenta quem já está com o plano de recuperação aprovado, de acordo com Mandel. “Diante das dificuldades geradas pelo coronavírus, essas empresas acabam precisando do adiamento dos prazos do plano”.

 

 

Fonte : Valor Econômico

Por Laura Ignacio — De São Paulo